segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Entrevista: Luciana Oliveira


Formada em Comunicação Social pela PUC-MG, mestre em Antropologia pela UFMG e doutora em Sociologia também pela UFMG, Luciana Oliveira fala sobre o mercado de trabalho na área de Relações Públicas, as possibilidades de inserção no mercado de trabalho e muito mais. Confira!

1. Antes de tudo, gostaríamos de saber sua ligação com o curso de Relações Públicas, onde estudou e como entrou na UFMG.

Eu fiz Comunicação Social na PUC-Minas, a habilitação foi Publicidade e Propaganda. Mas eu nunca atuei em agência. Sempre vi na comunicação institucional e organizacional um caminho com o qual me identificava mais. E assim foi do ponto de vista profissional. O curso me despertou paralelamente um desejo enorme de conhecer mais sobre esta relação social chamada comunicação e, por isso, fui direto ao mestrado em antropologia na UFMG ao terminar a graduação, trabalhando paralelamente como gerente de pesquisa na PUC. Comecei a trabalhar no ensino superior privado e logo me tornei coordenadora de curso, sendo demandada também a trabalhar como profissional de comunicação nas faculdades onde atuei, fazendo tanto a comunicação interna quanto auxiliando a direção nas decisões quanto à comunicação externa. Passado algum tempo, entrei no doutorado em sociologia também na UFMG. A coisa que mais gosto de fazer na vida é pesquisa. Adoro a sensação de deriva presente nessa atividade e adoro conhecer os pontos de vista das pessoas, articulando-os a modelos teóricos. Minha tese de doutorado foi sobre o movimento da Responsabilidade Social Empresarial no Brasil e na Argentina, um estudo comparativo. Acho que toda a minha trajetória foi uma construção para chegar até aqui e isso foi feito via concurso público em maio de 2010.

2. Como você analisa o mercado de trabalho em Relações Públicas no Brasil?

Pesquisa feita pelo Conselho Regional dos Profissionais de Relações Públicas (Conrerp, 2ª. Região, 2008) apontam que o mercado para Relações Públicas cresce 15% ao ano. Vejo um mercado muito promissor, sobretudo a partir dos avanços já consolidados em termos econômicos e também pela perspectiva de crescimento que temos pela frente. Tal crescimento será notável em setores de infraestrutura, energia, siderurgia, telecomunicações e mercado financeiro, mas haverá um efeito sobre outras áreas. Creio que o aprofundamento de nossa experiência democrática também abrirá novos espaços no mundo não empresarial, sobretudo porque há ainda uma enorme dívida social, necessidades de melhoria na distribuição de renda e na educação – o que genericamente poderíamos denominar de melhoria do nosso capital social e simbólico. Todos os setores em crescimento exigirão um planejamento estratégico e uma comunicação eficientes, tanto para dialogar com as comunidades, os líderes de opinião e a mídia quanto para comunicar apropriadamente com autoridades governamentais e regulatórias. Tal diálogo tem nas mídias sociais e tradicionais um foro privilegiado. E ninguém melhor do que o profissional de Relações Públicas para criar esse diálogo entre organização e sociedade. Afinal, faz parte de nossa genética profissional saber comunicar e ouvir, saber gerenciar expectativas, demonstrar a função social e atuação responsável das organizações, buscar e antecipar as mudanças na sociedade.

3. Qual o perfil desejado de um profissional de Relações Públicas?

Fundamental mesmo é saber ouvir, é a capacidade da escuta. Nós, da comunicação de um modo geral, achamos que temos que aprender a falar, a produzir bons textos, boas mensagens, boas marcas. Mas isso é impossível sem uma boa escuta. No caso do profissional de RP que atua no ambiente organizacional – seja ele empresarial, governamental ou do terceiro setor – é sempre um profissional que está no meio de muitos interesses, nem sempre convergentes numa primeira avaliação. Portanto, é mediador, é um diplomata das organizações. Precisa saber o que está em jogo para atuar, conhecer bem o cenário interno e externo e ter compromisso com aquilo que seja o bem comum, o bem público. Mas o bem comum e o bem público são uma construção coletiva, por isso, o profissional deve auxiliar todas as partes envolvidas a dialogar a partir dos seus interesses.

4. Dentre as várias possibilidades de inserção no mercado de trabalho para um RP, qual é, no momento, a mais promissora?


Vejo um cenário muito promissor no campo da economia da cultura (ou economia criativa, como alguns gostam de dizer) que tem ainda muito potencial de crescimento em Minas Gerais. Mas acho que todos os tipos de organização estão precisando de quadros profissionais especializados. O campo que eu estudei na minha tese de doutorado, o da Responsabilidade Social e Sustentabilidade, é também muito carente de profissionais de comunicação – gente que saiba fazer um bom relatório de sustentabilidade de acordo com as normas da GRI ou um balanço social de acordo com o modelo IBASE, por exemplo. Mas também gente que seja sensível à necessidade de articulação dos interesses de todos os públicos – ou partes interessadas, ou stakeholders – na comunicação, trazendo-as inclusive ao processo de construção da marca, dos produtos, dos serviços. Os setores econômicos mais avançados nesse campo são o de energia e a indústria química, cujas atividades são bastante reguladas. Acho também que um importante campo que vem sendo desbravado, mapeado e sistematizado pelo prof. Márcio Simeone é o da mobilização social para as organizações sem fins de lucro e movimentos sociais.

5. Muito se discute sobre o profissional que atua na área de Assessoria de Comunicação. Para você o RP possui capacidade para trabalhar nessa área ou ela deve ser comandada por um profissional de Jornalismo?

Achei que essa discussão já estava superada (rs...). Esse debate não tem a menor validade. O que importa é que o profissional de comunicação se identifique com o trabalho de assessoria que tem as suas especificidades.

6. Quais são as linhas de atuação mais comuns do profissional de RP no mercado brasileiro?

Nas agências que prestam assessoria de comunicação interna e externa. O Brasil possui hoje mais de mil agências de Relações Públicas (de acordo com a ABRP), o que demonstra que o mercado está ativo e bem movimentado, com condições de absorver muitos egressos. Também estão sendo criadas novas oportunidades a partir do terceiro setor e da demanda por atividades de cidadania empresarial. Mas por outro lado também não podemos deixar de lembrar que existem outras áreas em que tradicionalmente o RP costuma atuar como, por exemplo, consultor político, ouvidor, ombudsman, pesquisador de opinião pública e em ações de lobby. Também tem possibilidade de atuar como planejador e executor de eventos, consultor de cerimonial e planejador de programas de relacionamento. Pode se especializar no atendimento de organizações de setores específicos como saúde, ensino, esporte, financeiro, meio ambiente, relações internacionais, promoção de produtos culturais etc.
7. Quais são as principais diferenças entre a prática da atividade no Brasil e no exterior?
Não conheço tão a fundo as práticas profissionais em cada país. Tenho algumas leituras nessa direção, mas não me sinto confortável para arriscar uma síntese. Mas o que acho verdadeiramente importante ressaltar é que a cultura organizacional é um microcosmo no qual a cultura de um modo geral se manifesta. Ao mesmo tempo em que ela tem especificidades – afinal aquele conjunto de gente se juntou ali naquela organização específica por um motivo ímpar – por outro, guarda muitas semelhanças com a cultura nacional, regional e local. Por exemplo, o “jeitinho” e o “você sabe com quem está falando”, instituições descritas por Roberto DaMatta como parte da cultura altamente hierarquizado do Brasil, certamente se verificam em muitas práticas das organizações brasileiras, assim como o autoritarismo (é bom lembrar que comemorando o nosso mais longo período histórico de vigência de um regime democrático que se instaurou a partir de 1985), o preconceito que não é aberto mas velado. Em outros países, são outros os traços. Por exemplo, nos Estados Unidos tudo é altamente burocratizado, ou seja, regulamentado e os profissionais têm que acatar as normas estabelecidas de maneira bastante rígida, a igualdade está submetida a regras.
8. Na sua opinião, quais as melhores formas de inserção no mercado de jovens recém formados?
Participação em programas de trainee, os estágios na época da graduação, saber o que se quer, ter uma boa rede e colocar-se em rede.
9. Quais são os principais desafios no início de carreira?
A insegurança ou a pressa, a impulsividade ou a passividade, saber reconhecer se se está no lugar certo (ou errado), conciliar os conhecimentos adquiridos com a prática profissional. O importante é colocar-se sempre numa posição de aprendizado e aprendizagem. Também é importante reconhecer se a escolha por uma organização foi correta. O grande segredo: fazer o que se gosta. Não faz sentido, ao menos para mim, fazer alguma coisa sem paixão, idealismo e buscando concretizar algo maior. Esse sempre foi o meu moto e acho que deu certo. Fui muito feliz nas minhas escolhas profissionais e embora me sinta super realizada, acho que ainda tenho muitos caminhos promissores. Adoro acordar e pensar assim todos os dias, é como estar sempre no início da carreira.
10. Como ganhar credibilidade e espaço em um mercado tão concorrido? (No caso, o mundo empresarial)
O mundo empresarial mudou muito nas últimas décadas. Passou por uma crise de confiança enorme, globalizou-se com a revolução da informação e complexificou-se em termos de seus processos, técnicas e linguagens. A credibilidade neste mundo vem cada vez menos de relações primárias – parentesco, círculos de amizade (embora ainda existam e tenham sim atuação) do que do trabalho profissional – organizado, comprometido, respaldado em escolhas técnicas e não na intuição – calcado na ética. Acho que há um lugar inegável para a meritocracia, fruto dos nossos avanços como sociedade, embora isso ainda possa conviver com certa herança maldita que tem como traços o autoritarismo, o patriarcalismo, o privatismo e o preconceito. Particularmente sempre apostei na meritocracia e posso atestar que dá certo.

0 comentários:

Postar um comentário